sábado, 5 de junho de 2010

"O banheiro" de Millôr Fernandes

"Não há, em suma, quem não tenha jamais feito uma careta equívoca no espelho do banheiro nem existe ninguém que nunca tenha tido um pensamento genial ao sentir sobre seu corpo o primeiro jato de água fria. Aqui temos a paz para a autocrítica, a nudez necessária para o frustrado sentimento de que nossos corpos não foram feitos para a ambição de nossas almas, aqui entramos sujos e saímos limpos, aqui nos melhoramos o pouco que nos é dado melhorar, saímos mais frescos, mais puros, mais bem dispostos. O banheiro é o que resta de indevassável para a alma e o corpo do homem e queira Deus que Le Corbusier ou Niemeyer não pensem em fazê-lo também de vidro, numa adaptação total ao espírito de uma humanidade cada vez mais gregária, sem o necessário e apaixonante sentimento de solidão ocasional. Aqui, neste palco em que somos os únicos atores e espectadores, neste templo que serve ao mesmo tempo ao deus do narcisismo e ao da humildade, é que a civilização hodierna encontrará sua máxima expressão, seu último espelho — que é o propriamente dito."

Retirado do livro "Lições de um ignorante"

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Aos meus vinte e cinco anos.

Às trivialidades cotidianas, as ausências de grandes feitos heróicos que abrem espaço ao meu íntimo, ao meu interior, ao meu humano.

Às incessantes paixões, aos diversos mundos paralelos e à irrazoável esperança que me dão uma necessária pitada de loucura.

Aos que estão do meu lado e que vivem apontando deliciosamente minhas incoerências e contradições. À eles, meus rígidos pilares, mesmo no desconcerto.

Ao sublime amor, sempre tão duro, por me mostrar o que é o afeto sem apego.

Às Vicissitudes, ao ódio, à inveja, ao ciúme e tudo que me faz baixo, sujo, menor, logo, a tudo que me faz mais verdadeiro.

À literatura, sobretudo à Clarice Lispector, minha musa intelectual, por me mostrar que o verdadeiro conhecimento é sempre correlato ao sentir.

A esta árvore, que se agiganta pela varanda do meu andar, invadindo minha casa em total desprezo pela minha presença. A ela, que continua ali firme em perfeita sintonia com o céu nublado, com alguns poucos pássaros e muitos insetos nessa incomum noite gelada.

Principalmente, a esta árvore, parte de uma força maior que os homens chamam de natureza, de Deus ou de qualquer outra palavra com significação vazia e que ali, imponente, mostra a todos nós, da forma mais soberba possível, que a o ciclo da vida anda por si só e que isso não depende de nossa existência,

Eu agradeço.

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Treze de julho de dois mil e nove

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quarta-feira, 24 de junho de 2009

Um. Dois. Três

"Um. Dois. Três. Respira.
Você quer se lembrar, mas é difícil. A luz é forte demais. E tem algo te prendendo, de três em três minutos é como se algo te puxasse de volta. Você só não sabe pra onde.
Um. Dois. Três. Afastem-se.
Tem aquele barulho peculiar. Você acha esse barulho familiar. Você conhece esse barulho, mas não consegue se lembrar ainda. Você se esforça, mas aquela luz é forte demais.
Um. Dois. Três. Afastem-se.
E tem o cheiro também familiar. E sons de aparelhos, vozes nervosas, toque de mãos rápidas e habilidosas. Já fizera parte dessa correria, sabia trabalhar com esses aparelhos.E finalmente você entendeu.
Um. Dois. Três. Afastem-se.
Como um flash, você se vê em outro lugar. Você sabe onde está. Daquele lugar você se lembra. As paredes metálicas não são de forma alguma estranhas, e por isso está séria. Agora você sabe porque está ali, naquele elevador, vestida para o baile.
Um. Dois. Três. Afastem-se.
Será que você quer ir? Você não sabe ao certo o que fazer. Alguma tristeza te faz lembrar rostos, toques, te faz ouvir alguém dizer seu nome entre lágrimas. Mas, aquela luz… É tão forte.
Um. Dois. Três. Afastem-se.
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sábado, 30 de maio de 2009

E a vida matou mesmo o sonho de Susan Boyle!


Não poderia ser mais propícia a escolha musical de Susan hj no "Britains got Talent", quando ela optou por cantar novamente a música que fez o mundo conhecê-la, "I dreamed a dream". O tom melancólico e pessimista dessa linda musica do grupo "les miserables" foi a tônica dessa noite em que a dona-de-casa, surpreendentemente, perdeu na final para um grupo de dança chamado "diversity".

O que é importante notar aqui é a postura de Boyle. Com as mãos quase que regendo a música, com expressões faciais totalmente adequadas e sincronizadas com a letra e um vestido mais do que elegante, ela acertou nas notas e segundo um dos jurados do programa, Piers, conseguiu se superar e colocar essa a apresentação como a melhor na história do programa. A forma como ela conduziu a derrota foi admirável. Com sorriso largo, parabenizou o grupo vitorioso, disse que ganhou quem merecia e ainda que o programa tinha sido uma lição de humildade. Enfim, foi uma verdadeira dama!

Foi isso o que mais me tocou. Quando ela se mostrou ao mundo pela primeira vez com um vestido horroroso, cabelo desarrumado e com uma história de vida que dava margens para risos, todos a "adotaram" e ela viria a se tornar essa "febre".. Entretanto, agora a popularidade dela dentro do show de calouros se esvaiu no momento em que ela começou a se adequar a um arquétipo de cantora de musicais. Elegante, fina, bem arrumada, falando pouco e muito bem. Ou seja, quando ela representava uma pessoa digna de pena, a aceitação do público e da mída foram quase automáticas mas ao sair desse papel de "coitadinha", ela haveria de ultrapassar uma linha tênue que separa a admiração da inveja. Os excêntricos, como ela, e entende-se aqui excêntricos no sentido etimológico mesmo, de fora do centro, não têm vez quando teoricamente saem do papel de oprimido.

Não importa se o produtor de "Cats", Lord Webber ou Elaine Paige já tinham lhe chamado para parceiras ou que a vida profissional dela já estaria encaminhada. A dona-de-casa que mora só com o gato representava uma parte de cada um de nós que sonha com o sonho. Adultos covardes que somos, que nos sistematizamos a essa vidinha medíocre, entretanto, ainda conseguimos nos encantar quando vemos esse algo de sublime que Susan representou bem nessas semanas.

Difícil alguém não se sensibilizar por ela. Ela não causou impacto por aquela voz potente, ao mesmo tempo, suave e sim pela identificação, consciente ou não, que tivemos. Frustrações que transferimos para a cantora escocesa a qual realizou sua digna função de nos salvar. Salvou-nos nem que fosse um pouco, nem q fosse só por poucos minutos . Só que salvar alguém é nobre demais e acaba por se tornar um fardo. Afinal, que quer ser verdadeiramente salvo?

Sem mais delongas, creio que os britânicos tão famosos por sua classe, esqueceram dela totalmente hoje quando vitimizaram Susan nessa votação,desmerecidamente, inexpressiva. Shame on you! Na derrota de hoje, do divino para o pragmático, todos nós somos os perdedores!

terça-feira, 26 de maio de 2009

A "santa" Susan Boyle volta a cantar ao vivo!


A dona-de-casa de 47 anos que arrasou na primeira apresentação do programa de calouros "Britains got a Talent" cantando "I dreamed a dream" voltou, nesse final de semana, ao mesmo programa, agora nas semi-finais, para cantar "Memory" também do musical "Cats" e também conhecida pela interpretação de Elaine Paige.

Com um talento vocal indiscutível, inclusive melhor do que a sua "musa inspiradora", Boyle me chamou a atenção na apresentação por essa imagem, printeada por mim, que ao final da música fazia dela uma autêntica santa. Isso mesmo. Uma santa. Não creio que alguém aqui seja ingênuo de achar que não há manipulação da mídia em torno dela mas, cá entre nós, existe alguma coisa que nos é passada com uma alguma isenção, com alguma imparcialidade?

O show dela e o show em volta dela podem ser componentes importantes em todo esse sucesso, entretanto Susan é real. A biografia passada a nós é convenientemente casta de uma senhora a qual nunca teria feito sexo, sequer beijada. É interessante pois a virgindade ao lado da pureza e das atitudes desengonçadas da cantora reunem todos os componentes para o estranhamento do público visto que remetem a uma inocência quase que infantil, aquela que encanta o adulto, uma pessoa essencialmente triste, como diria Clarice Lispector.

A aparência fora dos padrões estéticos contrasta com sua voz de anjo que nos leva aos ceús, aos deuses, ao divino. Uma virgem que canta como os anjos e para os anjos! Percebendo isso, o programa britânico jogou bem ao fazer um jogo de luzes que parece muito com uma imagem de Nossa Senhora da Aparecida, um dos maiores símbolos do catolicismo reforçando assim esse estereótipo muito bem aceito por ela e pelo público.

Notemos agora as duas músicas escolhidas, mais precisamente o final delas

I had a dream my life would be
So different from this hell I'm living
So different now from what it seemed
Now life has killed the dream
I dreamed.

(Eu tive um sonho quem minha vida seria tão diferente deste inferno que estou vivendo, tão diferente agora daquilo que parecia. Agora a vida matou o sonho que eu sonhei.)

Touch me
It's so easy to leave me
All alone with the memory
Of my days in the sun
If you touch me
You'll understand what happiness is

Look
A new day has begun

(Sinta-me. É tão fácil me esquecer sozinha com a memória dos meus dias de sol. Se me sentir, você entenderá o que é a felicidade. Olhe, uma nova vida começou)


Do limbo a felicidade e ao reconhecimento. A maltratada dona-de-casa sem sucesso, sem marido, abandonada junto com o gato, dá então a "volta por cima". Músicas que falam dela mesmo, logo, parecem ter sido estrategicamente escolhidas visto que corroboram a esse conto da sapa que vira princesa. Duvido q esse alcance mundial pudesse ser mensurado pelo melhor produtor que fosse com a intenção mais sordidamente comercial, ou seja, mérito maior é o dela pela sensibilidade que cosneguiu transmitir. Susan Boyle é assunto de botequim, minha gente!

Ilusão midática, ilusão vinda através da religião, ilusão por alienamento ou mesmo ilusão refletida conscientemente. O fato é que vende-se a nós, através da moça desengonçada, a idéia da pureza absoluta, do bem mais primitivo e com isso a esperança. O mito Susan Boyle é estrategicamente bem construído sim, mas se voltar contra a figura pessoal dela, que nada tem a ver com toda essa pirotecnia, é coisa de mal-amado. E ninguém gosta de gente mal-amada!

http://www.youtube.com/watch?v=U7Ayk9G7-sc

domingo, 24 de maio de 2009

Inútil metalinguagem - Frustrada tentativa de se querer um começo!

Eu me aventuro nessa pequena arte pós-moderna de fazer um blog não muito contente com a produção textual dos meus pares. Eu sei o quão rude e pouco elegante isso pode ser. Entretanto, cá entre nós, cheguei a pensar em várias regras possíveis de serem aplicadas na única finalidade de inviabilizar a maioria de escrever, mas na hora de organizá-las e de criar um sistema minimamente lógico, eu não tive muita eficácia. De tão cansativo que me pareceu conseguir meu pequeno feito sórdido, resolvi deixar de lado o ar ditatorial e optar pelo fácil discurso da democracia no cyber espaço.

Deixando, por hora, minha prepotência de lado, o meu grande interesse aqui reside na possibilidade de detectar alguns dos meus sintomas mais escondidos e poder entendê-los. Note que o egocentrismo e a prepotência, alguns deles, já ficam bem visíveis em poucas linhas introdutórias. Quanto aos males que aparecerão, de certo, se não puder curá-los, tentarei aprender a viver bem com eles.

O exercício da escrita, a dura tarefa de transpor ao plano formal o que se julga entender através das palavras é de uma nobreza tão masoquista que consome muito mais aqueles de alma ainda não formada. Só agora reparei como é fácil se indeterminar, dizer "o que se julga entender" e assim se distanciar seguramente, ao invés de um " o que eu julgo entender" que é mais assumido, e por isso mais corajoso. Assumir-se, enxergar-se, definir-se é um ato fadado ao fracasso, mas nem por isso, deixa de ter sua relevância

Entretanto, essa coragem, que remete aos outros, as coisas, ao externo nunca foi minha melhor qualidade. Logo, perdoe-me de futuros escapismos que virão. Os labirintos, as viagens pelo intrínseco sempre me foram muito mais valorosos, mais reconfortantes, mais densos. Dialógos com o próprio espelho sempre são mais recorrentes porque é tão mais fácil quando você pode acreditar que você é o q supõe ser e não ter ninguém pra te desconstruir. Qualquer rompante com ele é efêmero porque apesar da sombria aparência que possa lhe revelar, flores sempre existirão e elas sobrevivem sim a vendavais constantes.

Verbalizações com o espelho dificilmente levam a brigas mais sérias.Mas quando essas pontes são completamente destruídas, geralmente deixa-se de sofrer e se parte para o deixar de viver. Permita-me não desenvolver isso pq não é algo de eu queira falar, apesar de te confidenciar que me chama muita atenção. Não pelo fato em si, mas pelo meu humilde respeito de entender que só cada um, em sua humilde avaliação, sabe o q pode aguentar e até onde pode ir. "Até o mais miserável dos pacientes tem direito de opinar na sua prescrição" . Sinto isso como uma dinâmica não só no percurso das horas onde se quer deixar de existir, mas em todo o processo de viver.

Voltando a toda essa metalinguagem "barata" a qual me propus realizar nesse texto que deveria ser só um ponto de partida, verifico que minha aventura exterior, a escrita, deve me proporcionar a revisitar instantes dos quais eu gostaria que estivessem recalcados e o porquê de me enveredar nesse perigoso caminho é uma pergunta que eu não sei responder. Não porque eu saiba e de forma intolerante não aceite compartilhar isso. Na verdade, é uma pergunta que sequer quero responder. Juro! E o não saber agora me parece tão atrativo que não ousaria a ultrapassar a linha que a mim eu estabeleci nesse momento.

Precisei agora tanto me desviar um pouco (já disse o quão é dolorosa a escrita) que resolvi voltar algumas linhas e tecer comentários sobre mim e sobre elas. Pude então perceber algumas construções como "Mais assumido"., "mais corajoso", "mais valorosas". Mais, mais, mais..... ! Afetação essa que eu quase vi como defeito e não poderia ser diferente disso pq eu bem sabia do perigoso ato de se expor e que o meu espelho deixaria de ser meu quase sempre cúmplice, para se tornar um ferrenho crítico. Talvez o pior dos críticos. Mais,mais, mais.....! Pra que tanto "mais" ?Não sei. Acho que por todo tempo, eu tive a constância de sempre querer mais. Minto! Talvez na infância, em que a gente tem um amor gratuito pelas coisas, só porque elas estão lá e nos encantam. Amor que de tão genuíno faz-me pensar com horror a respeito do difícil legado de toda criança q é se tornar um adulto. Um ser tão dependente que precisa sempre de alguém pra dialogar, mesmo nas tais tentativas de caminhos para a alma..

Necessidade de dialogar?! Só agora notei esse personagem do meu texto com o qual eu converso. Falo com ele, de forma tão intimamente, mesmo sem saber quem ele é. Depois de perceber com os olhos, senti com a pele nos calafrios que me arrepiaram depois de tal constatação. Melhor deixar de lado por enquanto. Não sinto que minha alma mal formada possa entender, logo, voltarei ao fértil terreno do não saber. Já disse o quanto ele me é atrativo. Então, não reclame e, principalmente, tenha a generosidade de não me cobrar mais do que eu possa dar.